domingo, 27 de dezembro de 2020

Garotas não se vestem para garotos

Parte I
 
Se estivéssemos em outro lugar, e eu te visse com essa camisa, certamente te chamaria pra sair. Claro que precisaria de um tempo considerável até conseguir reunir o mínimo necessário de coragem e desfaçatez para chegar numa mulher que está usando uma blusinha com uma estampa visivelmente com dizeres feministas, quase como se essas palavras estampadas - "girls do not dress for boys" - fosse um aviso, um alerta para possíveis impertinentes, ou servisse como um escudo contra possíveis ataques de sujeitos sem noção.

Talvez fosse mais sensato não chegar em você. Seu aviso é direto, claro, objetivo. "Garotas não se vestem para garotos"... Mas se você não queria ser abordada, se não queria que alguém chegasse em você num lugar como este, um bar, onde a maioria das pessoas vão para se refugiar de seus problemas cotidianos e buscar o consolo de companhias ainda que passageiras, por que então ir com um aviso estampado no peito que queria dizer, em outras palavras, "olha, estou aqui, vestida assim, com meus amigos e minhas amigas, mas não ache que estou vestida assim porque quero impressionar você e os de sua espécie"? Tudo bem, admito, estou projetando e idealizando demais. Talvez você nem importasse de ser chamada por um cara assim como eu para conversar e beber algo (não que eu seja um cara tão especial ou diferente assim de outros). Talvez, talvez eu só esteja alimentando essa tendência masculina em achar que sempre devemos puxar conversa com uma mulher, por acreditar piamente que ela tem meio que a obrigação de nos corresponder e aceitar nosso convite. Que ideia mais machista e estúpida, não é mesmo.

Desculpe esse meio jeito, teorizo em excesso, e a verdade é que te notei já faz um tempão mas ainda não tive coragem, ou melhor, ainda não achei o "melhor jeito" de falar com você.

Todos aqui estão vestidos para garotos e garotas, moças e rapazes, homens e mulheres. As nossas roupas são nossa plumagem, é o modo como imitamos a natureza na sua habilidade de criar características que envolvam dois seres (ou mais, não sei...) para gerar atração, acasalamento, vida. Nos vestimos sempre preocupados com o olhar alheio, o que vão pensar de nós, como irão olhar para nós por estarmos usando aquela calça e aquela blusa, ou aquele sapato e aquele vestido. Somos narcisos admirados com a nossa própria imagem refletida no olhar do outro, no modo como o outro deixa evidente que nos olha. Você percebeu que eu estou já há um tempo te observando, meio sem jeito, achando que estou sendo discreto mas no fundo nós dois sabemos o que está acontecendo. Quer dizer, eu acho que você já notou meus olhares insistentes, curiosos, desejosos a seu respeito. Merda. Queria tanto poder chegar até aí, até onde você está, te fazer um elogio, que é a primeira alternativa que temos nessas situações antes de conhecermos mais a fundo uma pessoa que possa ter despertado algo na gente e então usarmos de outros "artifícios" de conquista. Fico curioso, querendo saber o que você está bebendo. Parece algo meio azul, não sei, dessa distância, minha inabilidade para distinguir cores é uma miopia preocupante. Certamente é alguma bebida doce. Não lembro de nenhuma bebida destilada com esse tipo de coloração. Não que eu seja um expert em drinques e bebidas e coisa e tal. Só estou deixando os pensamentos seguirem num fluxo contínuo, quem sabe eles não me levam direto até você. Acho graça dessas coisas na minha cabeça, meus pensamentos.

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