quinta-feira, 13 de maio de 2021

Them e a representação da violência

A série Them, disponível no serviço de streaming Prime Vídeo, tem sido descrita com adjetivos como violenta, cruel, sádica, pesada, impactante, polêmica, até mesmo desnecessária e etc. Ambientado nos anos 50, a trama principal foca em uma família negra que se muda da Carolina do Norte para um bairro branco. O que poderia ser a realização de um sonho de uma família qualquer se revela logo de cara um pesadelo. Além de terem que lidar com as dores e os sofrimentos individuais, marcados por acontecimentos traumáticos, os Emorys terão que enfrentar as táticas de tortura de uma vizinhança de supremacistas brancos.


Ao longo de 10 episódios, Them se propõe a retratar de modo explícito as táticas de violência (física e psicológica) que supremacistas brancos sempre impuseram não só às pessoas negras, mas também a toda e qualquer pessoa ou grupo que eles considerem merecedoras de seu desprezo pelo simples fato de serem que são - diferentes deles.


Se a produção é, em alguma medida "violenta" é, simplesmente, porque pinta um quadro de atrocidades valendo-se de recursos narrativos que buscam refletir todo um repertório de horrores que homens e mulheres brancos (autointitulados como "bons cristãos" e puros de sangue e de raça) usaram e ainda usam para justificar seus preconceitos raciais, sociais e de gênero.


Them é uma obra audiovisual, como tal era de se esperar que seu impacto nos espectadores cause todo tipo de sentimentos e reações. Como obra pública, no sentido de que é exibida por um serviço acessível a um determinado público assinante do streaming, está sujeita às diferentes apreciações estéticas e ideológicas. A série não se propõe a ser tida como um retrato único e inquestionável para se tratar do assunto racial - assunto principal - e de outros temas subjacentes, uma vez que ela ainda traz denúncias contra os valores machistas de uma sociedade notadamente marcada pela lógica patriarcal (basta ver como as personagens femininas são tratadas pelos seus maridos, pais, vizinhos); de uma sociedade homofóbica (vide Clark) e elitista (pais da Betty). Ao tratar desses assuntos, a série evidencia todo um contexto no qual as formas de discriminação, seja racial, social ou de gênero, estão diretamente correlacionadas, pois seus mecanismos internos operam sob uma mesma estrutura de pensamento: a de segregar os diferentes e beneficiar com privilégios os que são considerados iguais.


De um modo geral, pode-se apreciar uma produção ficcional e ainda assim desenvolver um olhar crítico sobre ela, um olhar analítico que vise interpretá-la tendo em consideração os contextos sócio-históricos a que ela se refere e no qual ela é produzida e exibida.

As acusações de que Them é desnecessariamente violenta cometem, no mínimo, um equivoco de juízo de valor, seria como acusar, por exemplo, os filmes sobre o holocausto dos judeus pelos nazistas alemães de serem impactantes demais para um público que, pretensamente, deveria ser poupado de assistir a representação cinematográfica de eventos históricos de uma barbaridade difícil de ser aceita e compreendida como tendo sido empreendida por seres humanos que são iguaizinhos a nós, ainda que hajam as óbvias diferenças em termos culturais. O que deveria chocar em Them é a violência que está sendo denunciada, não a "crueza" com que se faz isso.


Seguindo a tendência de misturar o gênero cinematográfico mistério/horror com denúncia social, cujo expoente contemporâneo tem sido os filmes de Jordan Peele, a série cumpre seu papel como entretenimento, tem um bom enredo, as atuações são impecáveis, principalmente da atriz que faz a personagem Lucky Emory, tem episódios marcantes e cenas emblemáticas, e tudo isso sem abrir mão de um olhar crítico e provocativo sobre fatos da vida real.