Parte
I
A
Contemplação de Si Mesmo
Vislumbro entre as águas claras
e ondeantes desse mar espelhado
um rosto, um rosto tão lindo:
olhos fundos, lúbricos, órbitas
lívidas, negras
a tez vermelha como telúrico barro
a testa lustrosa
o maxilar arrendondado, perfeito
uma penugem rara
um buço incipiente
as sobrancelhas curvadas
sobre cada forma do olhar
os cílios – um véu de filamentos
negros e grandes
o nariz afilado
de narinas levemente dilatadas
os lábios pequenos e serenos
contornando a boca maliciosa
E a expressão tão fascinante
alucinada
esboçando seu silêncio...
(Ah, como é doce esse contemplar! Não
preciso de mais nada. Só quero passar a eternidade presente
contemplando minha face nesse espelho d'água)
Parte
II
A
Metamorfose
Minha cabeça feneceu sobre a terra
e minhas mãos e meus pés
sulcaram o solo
e se enraizaram nele
Meus cabelos mergulharam em sulcos de
barro
e medraram úmidos e viçosos
Todo meu corpo
consumido com ferocidade
pela Natureza onívora
desabrochou na estação primeva
E hoje meu ser exala essências
coloridas, extasiantes -
bálsamos dum perfume enegrecido
E todos me conhecem pelo nome
de Flor-Narciso
Parte
III
Vi meu amável rosto
em chamas
em labaredas
sendo forjado pelo fogo infame
da tristeza
Soltei um grito...
Acordei sobressaltado
ansioso por ver minha face
em qualquer reflexo
do meu sombrio quarto
Vi num espelho invertido
no teto escabroso e alto
minha imagem possessa estertorando
gargalhadas de “Maldito! Maldito!”
Apalpei com desespero
meu intangível rosto
Quando dei por mim
já estava torto
pela fealdade severa
daquele fogo fátuo...