Moema veio se arrastando. Os passos pesados e
dissonantes, afundando pedras e arrancando asfalto. Caminhava devagar, talvez
pelas dimensões corporais. Trinta e dois metros de altura, apesar da estreiteza
do corpo. Os braços longos e finos. As pernas fortes e grandes. Os cabelos a
encobrir-lhe os olhos marejados.
Atraiu a curiosidade dos circunstantes mais pelo
modo encurvado e lento com que vinha caminhando do que pelas mãos sangrentas
fechadas em concha.
A enxurrada de suor, que as pessoas julgavam
escorrer pelo seu rosto, era na verdade a substância salina do seu sofrimento.
Por onde passava, abstraída na própria dor da
caminhada, tentavam chamar-lhe a atenção, acenando braços e bandeiras e
obstando-lhe a passagem com obstáculos grosseiros e fáceis de serem cruzados.
Alguns, tocados pela peregrinação da criatura colossal, ofereciam-lhe água e
alimentos, arremessando-os em direção à grande boca e vendo-os absorver na
textura cinza da pele. O organismo de Moema os absorvia sem que ela precisasse
parar por um só momento que fosse.
Seguia pelas estradas, rodoviárias, oceanos e
mares, cânions e florestas, vales e montanhas, contrita na peregrinação que lhe
impusera. Nunca respondia às perguntas, deixando oculto o objeto de sua missão
e aumentando a curiosidade alheia de pessoas e Estados. Como medida meramente preventiva, diziam alguns chefes de estado,
era-lhe proibida a passagem por este ou aquele território nacional, já que se omitia a revelar as suas reais intenções. Como não entendesse a
linguagem humana, ou os artifícios retóricos de tais discursos, excedia os
limites de uma fronteira qualquer e logo era submetida a perseguições e
acusações ferrenhas e bélicas. Cientes do fracasso de tais investidas, os
agressores mantinham os ataques até que a invasora
abandonasse a federação, com buracos, pólvoras e arranhões pela extensão
corporal.
Nos lugares mais amistosos e receptivos,
reparavam-lhe as feridas e os machucados, fazendo-lhe curativos ineficazes nas
cicatrizes. Davam-lhe alimentos diversos e rações, e a banhavam com a ajuda de
escadas e esfregões ou com mangueiras de bombeiros. Saia desses lugares
carregada de fotos, imagens, pulseiras, perfumes, presentes, bilhetes e
oferendas pregados nos calcanhares, tornozelos, canelas e costas.
Moema já caminhava ininterruptamente há décadas,
sempre vagarosa e encurvada com as mãos fechadas em concha, abalando o terreno
com as passadas violentas. Os que tentavam lhe desvendar os segredos dos olhos
ou o flagelo das mãos eram esmagados com indiferença pelas toneladas de suas
pisadas ou pelos repelões dos seus braços ferozes. Deixem ela em paz, gritavam os que se compadeciam dela e os que se
afligiam com os que a importunavam.
Ela caminhou tanto e tão obstinadamente que
ultrapassou os limites terrestres sendo observada pelas lentes atentas de
satélites estrangeiros.
Séculos depois, tendo sido vigiada
constantemente, chegou à Terra as imagens de seu paradeiro: no ponto mais alto
de um planeta montanhoso Moema depositou, chorosa e maternal, o ninho de coroas
de espinhos com o feto deformado entre dois testículos enrugados. Naquele exato
momento, enquanto viam aquela transmissão, alguns desviaram os olhos, abismados
— a expressão de profundo espanto. Outros se felicitaram com a descoberta de um
novo planeta que abria novas perspectivas para a exploração interplanetária.
Mas todos eles sentiram com incomodo um grande vazio se
expandir dentro de cada um.