terça-feira, 29 de setembro de 2015

O CÃO SEM PLUMAS

O cão sem plumas é um cão. Um homem. Um rio. Sobrevive por aí. Viralata, vadio. Bate ruas. Desce escadas. Suas costelas cinzentas. Magrelas. São tão finas, ósseas. E o cão sem plumas é fraco frágil. Sem plumagem vistosa. Só a pele sem os pelos. Só a febre e as sarnas. A lebre rápida passa ilesa. Que tristeza! E o cão sem plumas só se coça, leproso. Confuso cansado. Os olhos derramados. Duas órbitas de remelas amarelas. Suas patas atadas aos tropeços. Os passos lerdos & incertos. O latir esganado, avesso à natureza.
O Cão sem plumas
é um homem desnudo. Uma margem sem rio. Uma criança banguela. Sempre fiel à sua própria miséria: restos de ossos roídos, raspas de carnes podres, migalhas de afetos lançadas ao chão com desprezo. Ele se arrasta pelo espaço – serpente sem escamas. Amor sem véu.
                   Ele
                      se
                          arrasta
Se afasta
Cai num lago, donde nasce adormecido
A nova forma / o corpo amorfo / um patinho-feio sem espelhos / com um coração e as vísceras de vidro / a lhe saírem pelo peito
                   aberto
Finalmente voa, com suas asas enormes, em direção às
nuvens das profundezas

do (M)ar

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

NUM BREJO

SAPOs de BANDEIRA
turbomusculosos
tuberculosos

COALHADOSESPOLIOS
SapoSopaS
SapoEoleo      SAPOS ‘ BoiS

P
neuMatriX
nelrotoraX
neumania
neo’monia

CROAAAAC

estouros-lantejoulas no brejo in divãneios demict´rios r´gios

KCROOOOOOOOOOOOOOACK!

Anfilábio SulfúricoS
                             Bufo
                                   Bafo


ANURO

quinta-feira, 30 de julho de 2015

NO TEU DESERTO

MIGUEL

quero me perder no teu deserto
no deserto do teu corpo
nas dunas do teu dorso
quero me afogar nas areias dos teus cabelos
que as carícias das tuas mãos
me açoitem com a fúria de uma tempestade
que  o silêncio entre nós
nos deixe ouvir
“os ruídos das estrelas”

*
CLÁUDIA

Quando fores embora
e me deixar sozinha no vazio
me sentirei obrigada a ir em busca de nós
no deserto
a recolher memórias
como um arqueólogo de afetos
Talvez me vejas num take esquecido
dos teus filmes
a vagar por um mundo de poeira calor e frio
sedenta do companheiro de viagem perdido
e com olhos carregados de solidão e desejo
a estender os braços para tocar o teu rosto –
uma miragem de fato e gravata

no teu deserto

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O Poeta no Espelho

Passei a máquina de escrever para o outro quarto,
onde posso me ver no espelho enquanto escrevo. 
Henry Miller, in O Boxeador Polaco, de Eduardo Halfon

acabo de desperdiçar folhas de papel,
todas amassadas e sem nenhuma palavra,
apenas um vício pegajoso,
de cheiro forte,
quanto desperdício!
frases não escritas!
imagens não evocadas!
pacotes amassados de folhas brancas contendo seres de cabeça e cauda,
rumo ao mundo sem futuro,
mais uma poesia perdida,
no fundo, não queria dizer nada mesmo,
quanta ironia!
ou autopiedade?
em compor poemas para logo em seguida maldizê-los,
ao menos limpa essa baba do canto da boca. Senta e escreve. Pois as palavras são teu vício pegajoso,
elas te submetem, ó escravo lacônico
de nada valem os esquivos e os subterfúgios e as artimanhas contra os versos,
nesta luta injusta, em que está prostrado, as tuas mãos cavam o teu abismo sob teus olhos
a refletirem tua deprimente imagem nas janelas escuras

do teu quarto
enquanto escreves para esquecer como se escreve

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Ameaças Homeopáticas de Suicídio

OS VERSOS
OS POEMAS
A POESIA

O CHORO
O RISO
A RAIVA

A MASTURBAÇÃO
O DELIRIO
O VICIO

O GOZO – A SOLIDÃO

- TUDO! TUDO!
Tudo por VOCÊ
E o pior de tudo
é que eu já nem sei mais
quem é você

*


Logo Após as Ameaças Homeopáticas de Suicídio

Nada de você me resta
Nada de você me deixa
Nada em você me diz

Nada de você é tudo o que quero

Mas nada... Nada... Nada...
- me aconselha essa cartomante
transoceânica

E eu vou me afogando
nadafraugando aos poucos
nesse mar corroído
nessas salsugens amarosas

quinta-feira, 12 de março de 2015

A Descoberta da Solidão

Você sempre idealizou a solidão
Mas nunca esteve realmente sozinho
Agora sabe por que os primeiros humanos
Se reuniam em volta da fogueira
Para contar histórias, estrelas
Logo você
Sempre se achando tão diferente
Agora descobriu que quer o mesmo que todos querem
E mesmo assim prefere não dizer
Você não sabia, e dói aprender assim
Sabendo que a solidão também pode ser
Uma forma discreta de ressentimento
No silêncio da casa é que você percebe
Quão carentes nós somos
Não importa essa tristeza
Quando se sabe que não se pode contar nem consigo mesmo
Logo você
Que sempre idealizou a solidão
Agora sabe, e mais do que saber, sente
O que é estar realmente sozinho

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Quem nunca amou, não sabe do que seu egoísmo é capaz

Eu quero levar uma vida moderninha
Deixar minha menininha sair sozinha
Não ser machista e não bancar o possessivo
Ser mais seguro e não ser tão impulsivo

Mas eu me mordo de ciúme
Ultraje a Rigor - Ciúme

Quem nunca amou, não sabe do que seu egoísmo é capaz. Esse pensamento me ocorreu quando eu estava deitado sobre as pernas dela, ouvindo ela me chamar de mesquinho depois que eu lhe contei sobre a péssima noite que eu tive de angústias, delírios e insônia, ao deixá-la sair sozinha com as amigas.

O ciúme é uma insônia infernal. (De um anônimo de um século qualquer)

Ela tentou me explicar sobre a insegurança, sobre a falta de confiança necessária no outro e em si mesmo que caracterizariam tal sentimento, entre outros argumentos que geralmente são usados por essas novas mulheres desses novos tempos para tentarem convencerem os homens de seu “machismo inconsciente”.
Os pensamentos que tive, as dúvidas, os devaneios e até mesmo os ímpetos violentos e sádicos que me acometeram e me perturbaram noite a dentro, me fizeram considerar o ciúme como uma das mais elevadas manifestações de egoísmo. Não se tratando, dessa forma, como ela tentava me convencer, de fidelidade, de confiança, de machismo. Mas sim, de desejo, de poder, de posse.

- Mesquinho? (Eu exclamei sinceramente ofendido)

Também, certamente. Não vou negar esse lado obscuro e frágil deste sentimento enfermo. Porém, as grandes paixões – as verdadeiras paixões são egoístas!, como escrevera Stendhal. Somente aqueles que levaram até as últimas consequências seus atos apaixonados para alcançar, para realizar os seus anseios ardentes e ridículos é que podem entender perfeitamente, com aquela expressão alucinada de riso contido, do que o egoísmo é capaz. E, em se tratando de relação amorosa, somente esses loucos passionais, esses megalomaníacos se sensibilizam com o grau de obscuridade ao qual o amor pode chegar.

O ciúme é um bálsamo de cicuta e ácido. (De algum grego anônimo)

- Loucura?

Não. Apenas uma lucidez sombria. De olhos de fogo e língua flamejante. Um ser de fogo que, enquanto se consome, lança suas garras-labaredas sobre o outro – estopim e objeto. E se ergue com a desenvoltura desmedida de um fogaréu incontrolável e infatigável.
O ciúme é como ser lançado em um pântano de larvas, e ver-se obrigado a forjar, a partir de si mesmo, o ser do qual você fora despojado. Seus destroços insuficientes e ínfimos para obrar tal projeto.

Ela percebeu que eu já não a ouvia mais. Imerso em meus pensamentos. Silenciou e fez carícias na minha cabeça.

Levantei de súbito. E sem dizer nada e sem olhar para ela, saí andando, sentindo uma vontade terrível de chorar e, principalmente, de fazê-la sofrer. Também. Essa noite, ela me paga...

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

EI, GAROTO

Ei, garoto
Para onde você vai
Com esse olhar cheio de mágoas
E esses sonhos todos amassados
No bolso da calça?

Ei, garoto
Você sente mesmo pena dos soldados
Que lutam e morrem em guerras?
Mas você sabe que todos os dias
Você também luta e morre
Por ideais em que você não acredita

Ei, garoto
Quem sabe um dia
Você não ganha sua própria medalha
Por fazer aquilo que quer

Ei, garoto
Para onde você vai
Se arrastando por aí
Com essa cara de cachorro escorraçado?

Será que não consegue sentir
O cheiro dela no vento abafado que sopra?

Ei, garoto
Para que toda essa marra
E esses papéis?
Onde estão os seus amigos?
E o que eles, o que vocês sonhavam?
Uma féria por ano e carteira assinada?
(Não, não, você deve estar brincando...)

Ei, garoto, o que fizeram com você?
Por que você permitiu que aqueles velhos
Lhes colocassem gravatas de nós apertados?
Será que nunca ouviu a canção não se foge da luta?

Ei, garoto
Por que se enganar
Ignorando a glória
E os holofotes sobre o ídolo rock star?
Você não toca guitarra e, hilário dizer, mas também não sabe cantar
Faz rimas tão óbvias que suas queixas parecem refrões
De música pop

Ah, sim, me desculpe
Sua geração não fala de acontecimentos históricos
Para contar histórias de amor
Só aprenderam a serem cínicos e céticos
Sua geração de ironia estéril
Ninguém viu vocês na TV
Já que vocês se escondem é na internet
Esse labirinto metafórico dos seus anseios

Ei, garoto
Ah, a vida não presta?
Então pra que essa pressa de quem tem certeza de que jamais vai morrer?