terça-feira, 4 de março de 2014

O Erro do Poeta

O poeta sabota o amor
só pra ter o que escrever
A sua estética parece não soar bem
com coisas felizes
Foge do clichê de um grande amor
se refugiando na ilusão dos sentimentos amargos

Deitado numa cama
de uma mulher que logo esquece
nem sabe do sofrimento daquela que o espera
A poesia – um joguete retórico de palavras vazias

Quem se enganou depois de se olhar no espelho
e se sentir confuso, perdido?
A barba rala por fazer
no rosto amassado

A luz se apaga e os olhos se afogam
na escuridão vermelha
Chorar não pode
a tristeza pesa inerte sobre suas roupas no chão

Quem condenará o poeta
por ele falar de sentimentos
sem saber exatamente o que sente?
(O poeta é só uma pessoa que se perde
em meio a tantas palavras
rabiscando versos como quem
projeta labirintos dos quais não se pode sair)

A madrugada passa arrastada
rasgando o amanhecer
Ele veste a roupa
Ela, deitada, nem se despede
sabe que ele voltará sempre
a atração irresistível de um consolo sem compromissos

Na ressaca dos pensamentos
ele sabe que só no retorno pra casa poderá dormir
Mas a consciência embaça:
na retina machucada pelo choro contido
o rosto daquela que lhe abrirá a porta
dando-lhe um beijo sincero
sem fazer perguntas da noite em que esteve ausente
Ela lavará o seu corpo
do suor de um amor impuro
e se deitará com ele na cama
O gozo será lento e morno
entrecortado pelos soluços dos dois abraçados

e lá fora será o mundo hostil

Poema da Mulher para a Amante

quando ele chegou
        assim
cabisbaixo, sereno, alheio ao meu anseio
nem notou o arranjo amoroso em cima da mesa
        de jantar
logo percebi: algo mudou, ele chegou mas não veio por inteiro
um boa-noite rouco, um afago fraco
os cabelos em desalinho
o colarinho amassado

eu pensei em desespero: te perdi

ele sentou, fingiu que comeu, mastigando em falso como quem devora angústias

       na sala – o silêncio suspenso nos gestos que a gente não fez

       o riso frouxo, ou o amor farto

a frase dele incompleta que eu não deixei
que proferisse

melhor, me disse, não dizer nada

agora eu sei que talvez ele chore baixinho
         [enquanto você dorme triunfante sobre o peito dele

          que um dia foi meu

Cínica Confissão

confessar eu confesso
que te quero tanto
e de sentimento tão impuro
que nem sei se te querer
                 assim
seja algo que se confesse

               não se assuste
               é só desejo indócil
               frágil obsessão

e dizer que não
que não te quero
             e repetir
pra mim mesmo
            que não
que não te quero
            e mesmo assim
sofrer a desrazão

            tudo bem
te querer eu te quero
e mesmo não sendo em vão
esse sentimento é um inferno
um paraíso ao avesso

            avesso a toda razão