segunda-feira, 27 de maio de 2013

1984

1984

*
no macacão azul
o céu partido
em fuligem cinza
*
o tempo parado no tempo
agonizando o eterno tempo presente
1984 - é este o ano
ou tivera sido?
*
duplipensar sem pesar
as próprias idéias
*
na voz rouca das teletelas
"vigiar e punir"
os sucessos das paradas
*
o Grande Irmão zela por ti
com seu rosto impassível
nas entrelinhas do medo
*
na ingenuidade da revolta
o amor dissidente
como um fóssil revelando
dois corpos incrustados
no ardor do passado
*
no coração azul
sob o céu do Partido
duas lágrimas se rendem
Winston morre

sem nunca ter existido

quarta-feira, 15 de maio de 2013

(Edgar Allan Poe)MA

Edgar Allan Poe(MA)

                                   poeméfiro

              poefêmero

                                      poeféride

poemífero

Poe
the black cat
Poe
the butterfly

        voam estrelas negras
       go
  the never mind
                      back
the black cat
        fly
the never mind

o corvo
onde está minha mente
minh’ mente

nunca mais

Borboletas Negras

Borboletas Negras


Sempre desconfiei do que poderia ter atrás dessas paredes. Extensas e frias, pálidas como o destino humano. Porém, nunca tive coragem suficiente para derrubá-las, ou pelo menos fazer um buraquinho pelo qual fosse possível encaixar um único olho e entrever a escuridão do outro lado. Mas sempre senti certo receio, quase um pudor doentio. Ainda mais depois que soube daquela história de um homem que teria matado a própria mulher e enterrado ela num desses esquifes verticais de concreto. O que ele não esperava era que um bichano, negro e astuto, ronronante como a cínica da Justiça, revelasse seu segredo fúnebre.
Não que eu ache que possa haver um defunto encurralado entre essas paredes. Mas sinto que só eu posso desempenhar o papel do gato negro dissimulado, e desvendar para mim mesmo o que pode estar emparedado aí atrás.
Ás vezes, com os ouvidos grudados às paredes, passo horas ouvindo ruídos incertos, sem cores e sem vozes, através delas. Fico na expectativa ao ouvir um TUM-TUM tão familiar, e logo descubro que são apenas os batimentos do meu coração que me falam aos ouvidos.
TUM-TUM... TUNTUM... TUM-TUM – soa a escuridão do outro lado.
Me viro, apreensivo, contra as paredes, com medo de que algo possa vir me buscar.
Olho para teto, procurando um abrigo, e vejo a luz pendurada como aqueles cadáveres antigos numa forca. Lá em cima também deve haver alguma coisa que eu, de algum modo, pressinto. Talvez pensamentos sem ideias, ou colônias de cupins explorando uns aos outros.
Ou átomos, em constante atrito, se deteriorando ou se solidificando em massa e cimento. Ossos e suor.
Escuridão...
Não gosto dessas paredes, desses blocos de concreto dispostos um ao lado do outro, um na frente do outro, formando biombos protetores mas que também nos encurralam, nos sufocam e aprisionam. Mantendo em sigilo cenas de amor e desprezo, afeto e vingança, imagens do cotidiano que muitos dissimulam abominar nas notícias sórdidas e bizarras, estúpidas e banais. – O espanto hipócrita de uma sociedade que se autoflagela.
O espaço entre espaços... No espaço as paredes infinitamente grandiosas são tão negras e salpicadas de estrelas, planetas, galáxias, corpos celestes e astrais, são tão voláteis e revestidas de um silêncio absoluto, que é possível atravessá-las e descobrir outras dimensões porque nossos corpos rasgam fissuras na malha negra do Universo.
Talvez eu consiga transpor esses muros domésticos e descubra mundos desconhecidos, astronautas indigentes, satélites naturais, seres translúcidos ou um deus encurralado como um menino traquina tentando se enfiar entre um vão mínimo. Ficaria preso junto com ele, sentindo a frialdade dos blocos na superfície da pele. E de repente nossos pelos se desprenderiam, nossa pele se enrugaria e ficaria espessa e grossa, e seríamos lagartos escalando paredes e fugindo de preces e pedras.
Uma teia de aranha.
Nunca tinha percebida aquela teia de aranha, ali, naquele canto do teto. Não sei se é um buraco bem pequeno ou uma aranha bem preta e compacta aquela mancha. Pode ser um portal. Ouvi dizer que existem muitos portais espalhados pelo mundo todo e de diversas formas. Mas é melhor eu ter cuidado. Já me enganei uma vez sobre eles quando quase me afoguei na privada de um banheiro publico ao achar que o corpo que boiava calmo e pulsante sobre as águas sanitárias era um sinal, um convite para atravessar um portal. Merda. O mundo que conheci tinha muita merda. Um cheiro e um gosto fortíssimos de urina. Planeta Ureia com seu solo rochoso de bolos fecais.
Me aproximo devagar da teia. Ela é grande e está cheia de pó. É possível ver uns finíssimos fios de seda pendurados e descosturados dos demais. Esqueleto, vejo os restos de algum bicho, só a carcaça da cabeça ainda envolta num véu sufocante e mortal. Podiam ser meus aqueles restos de presa. Podiam ser meus os restos mortais que acharam na tumba de um faraó.
Ou minha, a dentadura de bronze que acharam entre os escombros de uma

antiga civilização, ou meu, o crânio daquele que pode ser o ancestral mais

antigo da nossa espécie.
agora, aquelas patas tão finas e pequenas, com uma pelugem negra saindo

do... da... saindo do... buraco... do abdômen... da aranha... antenas e asas...

uma três nove milhares de borboletas negras tornando escuro tudo ao redor.
polemizando poeira cósmica e agitando o ar abafado.
pego uma em minhas mãos, enquanto outras me rodeiam e me sobrevoam,

num envolvente voo de escuridão. meus olhos vão se aprofundando numa

perspectiva em espiral. vou sendo carregado e envolvido freneticamente.

atravesso rajadas cintilantes e objetos que passam por mim tão rápidos que

nem tenho certeza se estou realmente em movimento. ao fundo, uma forma

sólida, concreta, se dissolvendo em fiapos multicoloridos. estou em rota de

colisão com ela. o vento açoita meus pensamentos e eu só penso na viagem

de ser uma aranha com asas de borboleta. a agilidade e frieza de uma, com a

crueldade e a beleza da outra.
A vida tecendo seu destino tão obstinadamente. e sendo arrebatada sem nunca ter sentido o espasmo de um gozo amoroso.
as paredes que mantém em sigilo os segredos que nos doem. cada borboleta traz consigo uma expressão de sentimento e emoção. nas asas de uma, vejo os olhos grandes e maliciosos de alguém que eu amei e que se foi entre o vão entre os espaços. estou dentro das paredes que tanto temi e que, agora, me confortam como um abismo perdido na extensão do espaço vazio.
estou mais perto do gozo
mais perto do fosso
mais perto do parto
vejo a luz da saída
na vagina do mundo
borboletas furiosas

negras de cio