sábado, 24 de setembro de 2022

Fazes-me falta

Fazes-me falta, miúda

Tua presença ausência

Se faz sentir por toda a casa

Por todo canto no mundo

Para onde olho e não te vejo


Há um silêncio absoluto

Crescendo dentro de mim

Na mesma velocidade 

Com que galáxias

E estrelas 

Se expandem universo afora


Falas comigo e já não sou capaz de te ouvir

Ofereces-me tuas mãos sem substância

E tua boca sem brilho

E já não sou capaz de tocá-las

Ou sentir o cheiro da tua pele


Fazes-me falta

Porque tua ausência onipresente

Em todo lugar

Dentro de mim

Se projeta sombra sem corpo

Encobrindo de solidão meu ser tão frágil


Havia algo em ti que me pertencia

Uma semente informe evoluindo aos poucos

Negrume sem lume

Vazio uterino de dilatações exponenciais

A lógica retórica de uma recusa disfarçada


A vida esvaziada 

De todo sentido de existência

Afeto feito fel 

Derramando pensamentos desencontrados

Choros contidos de olhos fechados


Fazes-me falta e não te vejo

Evito espelhos por me lembrarem a imagem

De um homem 

Sem jeito para as coisas práticas


Era tu, miúda, que me vestia 

Para os rituais banais da vida cotidiana

Que me dizia a melhor combinação

Entre sapatos calças e camisas

Gravatas e meias...


Agora abro o guarda-roupas

Entre cabides em sentinela

Eu vejo um monstro indistinto

Visto-me sem convicção

Lembrando tuas palavras afiadas


Fazes-me falta

E nem mesmo a dor saudade

De ti

Me cabe mais no peito


Morrer, pequena, é deixar de sentir

E eu ainda te sinto

Ainda que não estejas mais aqui