sexta-feira, 15 de maio de 2015

O Poeta no Espelho

Passei a máquina de escrever para o outro quarto,
onde posso me ver no espelho enquanto escrevo. 
Henry Miller, in O Boxeador Polaco, de Eduardo Halfon

acabo de desperdiçar folhas de papel,
todas amassadas e sem nenhuma palavra,
apenas um vício pegajoso,
de cheiro forte,
quanto desperdício!
frases não escritas!
imagens não evocadas!
pacotes amassados de folhas brancas contendo seres de cabeça e cauda,
rumo ao mundo sem futuro,
mais uma poesia perdida,
no fundo, não queria dizer nada mesmo,
quanta ironia!
ou autopiedade?
em compor poemas para logo em seguida maldizê-los,
ao menos limpa essa baba do canto da boca. Senta e escreve. Pois as palavras são teu vício pegajoso,
elas te submetem, ó escravo lacônico
de nada valem os esquivos e os subterfúgios e as artimanhas contra os versos,
nesta luta injusta, em que está prostrado, as tuas mãos cavam o teu abismo sob teus olhos
a refletirem tua deprimente imagem nas janelas escuras

do teu quarto
enquanto escreves para esquecer como se escreve

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