quarta-feira, 7 de setembro de 2016

24 HORAS - PARTE I


Clarice abre os olhos. Acorda. É um novo dia. Outro dia. “Mas o que é um dia?”
Um dia é o tempo que a Terra leva para dar uma volta completa ao redor do Sol, como se ela fosse uma bailarina rodopiando em volta dele, seu companheiro amarelo, laranja, imenso, enquanto a gente faz um monte de coisas e nem percebe o rodopiar da Terra, o movimento do tempo se deslocando com o espaço.
A gente acorda. Abre os olhos, se espreguiça. Ainda sonolentos, a gente se levanta, escova os dentes, lava o rosto. Toma café. Vai para escola, para o trabalho, para lugar nenhum, ou fica em casa e volta a se deitar.
“Levanta logo, menina!”
A mãe chama, ela lembra o galo despertando todo dia de manhãzinha, obrigando a gente despertar do sono gostoso, daquela preguiça manhosa.
“Ai... que sono”,  a menina boceja.

A mãe, o galo e o despertador anunciam que já chegou o dia. O Sol já se pôs lá no alto. É hora de se levantar.
“Onde o Sol se põe? Será debaixo da cama...”
Só os chinelos e as pantufas com cabeça de animais. Pela janela, pelos buracos da janela, os primeiros raios de sol entram no quarto de Clarice, aquecem os pés dela, fazem sombras nos móveis e no rosto dela encoberto pelos cabelos negros. Alguns raios se lançam direto para debaixo do tapete ou para um canto do quarto onde se perdem. Algumas sombras são engraçadas, lembram monstros ou formas geométricas.
“Será hoje a aula de matemática? Na dúvida, melhor levar o livro.”
Os livros, tantos livros. O peso da mochila e a postura encurvada. Todo aquele conhecimento... Ela tem que se esforçar, resistir.
“Saber as coisas pesa assim, é?”
“Antes não saber nada, e ser livre para voar...”
“Veja só: o conhecimento é tão complexo quanto às asas de uma borboleta. Mas, do mesmo jeito que estas, o conhecimento pode fazê-lo (ensiná-lo) voar livremente, por muitos lugares desconhecidos e interessantes. Se você pensar assim, todo esse Saber se torna leve como as asas de uma borboleta.”
Clarice lê a primeira página de um dos livros. Olha o céu no horizonte. Toda aquela imensidão sem fim. Cinza-azul.
“Quer dizer, o céu, apesar de estar lá em cima, é terreno porque faz parte da Natureza da Terra. E a Terra faz parte do Espaço. O Cosmos. Aquela infinidade de silêncio, escuridão, estrelas, galáxias, poeira cósmica. E nós?” Sozinhos, no mundo.
“No nosso mundo, no nosso planeta pálido ponto azul na vastidão do espaço...”

Clarice olha em volta e já está na sala de aula. Os outros alunos e o professor observam atentamente a expressão dela.
“No mundo da Lua, Clarice?”
“Ahn... não... Quer dizer, só pensando...”
Os alunos riem, e o professor continua sua explicação sobre as borboletas. As fases: 1º lagarta, 2º crisálida, 3º borboleta. A metamorfose, que quer dizer a transformação da forma, por que passam esses seres vivos antes de se tornarem o que são.
Clarice pensa em si mesma, no seu corpo, que é ela mas ao tempo não é. Ela pensa em como está mudando, em como seus pensamentos agora são outros. Ela já não se interessa mais pelas mesmas coisas de antigamente. Antes, ela apenas estava ali, no mundo, com outras pessoas, animais, coisas e objetos, e nem passava pela sua cabeça sobre ela estar ali. Agora, Clarice quer saber mais dela mesma, do seu corpo, do mundo, de um monte coisas a sua volta.
“Quanto mais se aprende, mais as dúvidas aumentam...”
Onde será que ela estava quando não pensava sobre estar onde estava? A gente já existia antes mesmo de nascer? Ser alguém é ser o quê? E quando a gente sabe, porque sente, que tem algo em nós que a gente não saber dizer de onde vem, de onde é e o que é? E aquela sensação, sem um sentimento muito bem definido, a apertar o nosso peito mesmo estando rodeados de amigos, nos fazendo nos sentir sozinhos, abandonados?

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