Clarice abre os olhos. Acorda. É um novo dia. Outro dia. “Mas o que é um dia?”
Um dia é o tempo que a Terra leva para dar
uma volta completa ao redor do Sol, como se ela fosse uma bailarina rodopiando
em volta dele, seu companheiro amarelo, laranja, imenso, enquanto a gente faz
um monte de coisas e nem percebe o rodopiar da Terra, o movimento do tempo se
deslocando com o espaço.
A gente acorda. Abre os olhos, se
espreguiça. Ainda sonolentos, a gente se levanta, escova os dentes, lava o
rosto. Toma café. Vai para escola, para o trabalho, para lugar nenhum, ou fica
em casa e volta a se deitar.
“Levanta logo, menina!”
A mãe chama, ela lembra o galo despertando
todo dia de manhãzinha, obrigando a gente despertar do sono gostoso, daquela
preguiça manhosa.
“Ai... que sono”, a menina boceja.
A mãe, o galo e o despertador anunciam que
já chegou o dia. O Sol já se pôs lá no alto. É hora de se levantar.
“Onde o Sol se põe? Será debaixo da cama...”
Só os chinelos e as pantufas com cabeça de
animais. Pela janela, pelos buracos da janela, os primeiros raios de sol entram
no quarto de Clarice, aquecem os pés dela, fazem sombras nos móveis e no rosto
dela encoberto pelos cabelos negros. Alguns raios se lançam direto para debaixo
do tapete ou para um canto do quarto onde se perdem. Algumas sombras são
engraçadas, lembram monstros ou formas geométricas.
“Será hoje a aula de matemática? Na dúvida,
melhor levar o livro.”
Os livros, tantos livros. O peso da mochila
e a postura encurvada. Todo aquele conhecimento... Ela tem que se esforçar,
resistir.
“Saber as coisas pesa assim, é?”
“Antes não saber nada, e ser livre para
voar...”
“Veja só: o conhecimento é tão complexo
quanto às asas de uma borboleta. Mas, do mesmo jeito que estas, o conhecimento
pode fazê-lo (ensiná-lo) voar livremente, por muitos lugares desconhecidos e
interessantes. Se você pensar assim, todo esse Saber se torna leve como as asas
de uma borboleta.”
Clarice lê a primeira página de um dos
livros. Olha o céu no horizonte. Toda aquela imensidão sem fim. Cinza-azul.
“Quer dizer, o céu, apesar de estar lá em
cima, é terreno porque faz parte da Natureza da Terra. E a Terra faz parte do
Espaço. O Cosmos. Aquela infinidade de silêncio, escuridão, estrelas, galáxias,
poeira cósmica. E nós?” Sozinhos, no mundo.
“No nosso mundo, no nosso planeta pálido ponto azul na vastidão do
espaço...”
Clarice olha em volta e já está na sala de
aula. Os outros alunos e o professor observam atentamente a expressão dela.
“No mundo da Lua, Clarice?”
“Ahn... não... Quer dizer, só pensando...”
Os alunos riem, e o professor continua sua
explicação sobre as borboletas. As fases: 1º lagarta, 2º crisálida, 3º
borboleta. A metamorfose, que quer dizer a transformação da forma, por que
passam esses seres vivos antes de se tornarem o que são.
Clarice pensa em si mesma, no seu corpo, que
é ela mas ao tempo não é. Ela pensa em como está mudando, em como seus
pensamentos agora são outros. Ela já não se interessa mais pelas mesmas coisas
de antigamente. Antes, ela apenas estava ali, no mundo, com outras pessoas,
animais, coisas e objetos, e nem passava pela sua cabeça sobre ela estar ali.
Agora, Clarice quer saber mais dela mesma, do seu corpo, do mundo, de um monte
coisas a sua volta.
“Quanto mais se aprende, mais as dúvidas
aumentam...”
Onde será que ela estava quando não pensava
sobre estar onde estava? A gente já existia antes mesmo de nascer? Ser alguém é
ser o quê? E quando a gente sabe, porque sente, que tem algo em nós que a gente
não saber dizer de onde vem, de onde é e o que é? E aquela sensação, sem um
sentimento muito bem definido, a apertar o nosso peito mesmo estando rodeados
de amigos, nos fazendo nos sentir sozinhos, abandonados?
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