quarta-feira, 19 de julho de 2017

Stoner - A Vida de um Homem Comum

"William Stoner entrou na Universidade do Missouri como calouro no ano de 1910, com a idade de 19 anos. Oito anos depois, no auge da Primeira Guerra Mundial, recebeu o diploma de doutorado e assumiu um cargo na mesma universidade, onde lecionou até a sua morte, em 1956. Nunca subiu na carreira acima da posição de professor assistente, e poucos estudantes se lembravam dele com alguma nitidez após terem cursado suas disciplinas. Quando morreu, seus colegas doaram à biblioteca da universidade um manuscrito medieval em sua memória."
Stoner, John Williams, página 7, editora Rádio Londres, 2015


Por que um livro, uma obra, um romance sobre um sujeito que não teve nada de excepcional em seus mais de 60 anos?

 Por que contar a história de um homem que abandona um curso de ciências agrárias, que teria aplicação prática e imediata para o seu sustento próprio e de sua família; que troca esse curso pelo de Letras após uma epifania durante uma aula sobre Shakespeare; torna-se professor na mesma instituição Universitária onde, anos antes, fora um aluno regular, mediano; casa-se com uma mulher que irá atormenta-lo ao longo dos anos de casamento; viverá os temores e dilemas de duas guerras mundiais; terá um desentendimento irreversível com um colega de trabalho, que fará de tudo para prejudica-lo sempre que possível; irá viver uma paixão avassaladora e extraconjugal, da qual, terá que abrir mão após as pressões sociais e morais; e que, restando-lhe apenas dois anos para sua aposentadoria, descobre que está com um câncer maligno e morre, segurando um livro de sua autoria?

Stoner é, antes de tudo, um estoico, um sujeito que, apesar dos inúmeros reveses que se apresentam ao longo de seu caminho, prefere ou permite ou deixa, simplesmente, as coisas acontecerem ao bel prazer das circunstâncias, aos caprichos insondáveis do Destino.

A cada nova situação, na qual, ele se encontra tendo que confrontar desejos próprios e convenções sociais, você se pergunta, desapontado, mas ao mesmo tempo condescendente, qual ou quais teriam sido as reais motivações de Stoner para seguir tal caminho e não outro, também plausível, e, até certo ponto, ver sua existência tomar rumos que poderiam ser evitados. Você, então, se sente frustrado com as escolhas do nosso protagonista e as consequências delas, para logo em seguida sentir uma espécie de comoção e empatia pelo ritmo lento e banal com que nosso personagem segue sua trajetória. É quase inevitável não sentir essa mistura de sentimentos antagonistas com a condição, cada vez mais, autodestrutiva de Stoner. Os efeitos das escolhas dele nos parecem óbvios, pois, ainda que envolvidos com sua história, estamos acompanhando esse drama de lado de fora. Estamos numa posição confortável para emitirmos julgamentos de ordem moral quanto aos seus posicionamentos. No entanto, se pararmos, um pouco que seja, para avaliarmos todas as variantes possíveis de decisão do nosso herói, deparamo-nos com um leque não muito variado de possibilidades, e, para nossa surpresa ou não, um desses possíveis caminhos é justamente o que Stoner resolveu deixar sua vida se encaminhar. Como podemos condená-lo então?

No romance temos um par de forças, contrárias e complementares, a saber, o amor e a guerra, que parecem ser um dos poucos elementos capazes de interferir, significativamente, no cotidiano ordinário de Stoner, restando a este a perplexidade estoica diante dos acontecimentos que vão se desenrolando a sua frente e o arrastando, impiedosamente, para um destino sem volta, para uma aniquilação gradual de sua pessoa, ainda que a iminência da morte proporcione uma reconciliação com seu passado, com sua esposa, com sua filha, com a existência que viveu e consigo mesmo.

Talvez não seja mero recurso narrativo colocar como pano de fundo dessa história banal os dois grandes conflitos mundiais, pois, durante esse contexto é “inaugurado” o chamado romance moderno,  que tem como uma das principais marcas obras que retratam a existência, sem grandes feitos de coragem e heroísmo, do chamado homem moderno.

    Talvez, imersos nesse mundo cada vez mais automatizado e rotineiro, e, ao mesmo tempo, como parte integrantes e ativas dele, o que nos resta, além do estoicismo de Stoner e sua dedicação,l seja esperarmos sem muita expectativa por um epitáfio singelo numa lápide sem ornamentos elaborados ou uma dedicatória laudatório em nossa homenagem, ainda que simples, em alguma obra de relevância questionável e já consagrada do acervo de uma biblioteca.

   Ou ainda, provavelmente, ninguém se lembrará da gente com alguma nitidez, e nossa memória irá se diluir, gradativamente, num esquecimento puro, autêntico, comovente, como essa história de um homem comum chamado Stoner.

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