terça-feira, 5 de agosto de 2014

SUICÍDIO

A ideia do suicídio é um forte consolo. Ajuda a suportar muitas noites más.”Para além do bem e do mal, Nietzsche

...qual é, por que tá hesitando tanto, já não basta de tanta indecisão? Oh, calma, respira, respira. Devagar, se concentra! Meu coração palpita forte demais, ou serão ruídos lá fora? Não posso mais continuar com essa vida, mas também não gostaria de morrer. Vou continuar aqui, quieto, esperando me convencer do que eu sempre tentei me fazer acreditar. Queria parar de chorar, de tremer, de sentir o meu corpo todo como se tivesse sendo consumido por frias chamas, minhas lágrimas ardem. Vejo tudo distorcido, ardendo. Alguém está à minha espera, mas já não quero comparecer a este encontro. Quantas e quantas vezes eu faltei a encontros, a reuniões, a compromissos? Quantos não ficaram a me esperar, ansiosos, aguardando inutilmente a minha chegada? Àqueles, eu pude faltar sem mais explicações ou pretextos. A essa, que agora sinto que me espera pacientemente, não sei se poderei fugir. Eu a chamei, a invoquei por muito tempo, ou marquei esse encontro inevitável, esse encontro precipitado. Sei que poderia adiá-lo – haverá tempo para isso? Passos, como se tivessem se aproximando, uma multidão a me espreitar. Todos me aguardam! Como demoro, vêm a mim. Não, eu não quero! Não mais! Não agora! Sentir meu coração disparado me faz desesperar, ele não se acalma, aperto ele com minhas mãos trêmulas, elas tão suadas, quentes. Meu corpo, frio... o peito arde... a cabeça a formigar e a minha boca tá seca... Como é horrível chegar a uma decisão a que já não se tem certeza! Não deveria ter permitido me desviar pelos pensamentos. A consciência me faz reconsiderar, ponderar. Até mesmo vacilar. Dar espaço aos impulsos, é o que eu deveria ter feito. Seria rápido, profundo e constante. E depois, em meio a tanta agonia, era só esperar o sangue me cobrir os olhos e me penetrar todos os sentidos... e morrer sem compreender bem que morria. Como num escurecer. O sangue espalhado ao redor do meu corpo – o sublime manto -, prova da minha coragem desesperada. O meu sangue me protegeria das ações das pessoas. Ele as afastaria de mim. Elas não gostam do sangue, muito menos do sangue dum suicida, de alguém que se renegou às circunstâncias da vida... Acham o sangue impuro, maldito... substância plena e simbólica dos ardores da existência e da morte. O sangue dum suicida não é rubro, nem vermelho. É sangue! É desprezível como o ser que o derramou, que o fez jorrar gratuitamente. O sangue dum suicida é sagrado, é profano: sagrado, porque faz parte da celebração dum ritual divino; profano, porque esse ritual divino também é pagão, devido ao paganismo de quem o celebra. Mas então é isso: o sangue sacroprofano é o que irá me purificar, me libertar, me integrar de volta ao plano de que fomos todos perdidos. Mas eu ainda terei ânimo para derramá-lo, terei coragem para verter dolorosamente esse meu sangue? Já nem me lembro por que quero me matar. Muitas coisas passam pela minha mente ao mesmo tempo, porém, são só lembranças e pensamentos e ideias que não se deixam agarrar, não se fixam no meu consciente, não estou certa da natureza deles. Agora me lembro que ainda ontem eu relembrava que fui aprendendo, forçosamente, me submetendo e me coagindo a não temer a solidão, a loucura e a lucidez extremas, a frieza natural dos objetos e das paredes dos edifícios. Eu me forcei a aprender a ser mais tolerante com os equívocos e com os preconceitos, com as atitudes mesquinhas das pessoas, que por vezes nos afagam, nos sufocam e até mesmo nos matam... Há um tempo elas já não me interessam. Eu me coagir a aprender que muitas coisas são possíveis e que poucas delas são verdadeiras, legitimas. Fui aprendendo tudo que se oferecia a mim, e apreendendo tudo que eu me obrigava recusar, e então eu me perguntei: o que é que me ficou, o que é que me sobrou, o que eu tinha conseguido acumular, oh, o que é que eu tinha para me segurar, para me apoiar, para me confirmar, para me agarrar e não cair trágica e pateticamente? Ah, se todos se negam a me ajudar, se todos me negam um suporte, minha nossa, como isso é tão forte e irreal! Matar-se é tão difícil quanto viver. E agora percebo que em nada essas duas questões se resumem ao fato de se ter ou não coragem para realizá-las e encarná-las de sentidos. O problema que as envolve, e com o qual eu me deparo, é profundamente complicado! E a única coisa que me parece sobrar, é chegar a hipóteses vagas e imprecisas sobre ele... Me lembro de certas palavras

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