terça-feira, 5 de agosto de 2014

SUICÍDIO (continuação)

 “Não importa o quanto tentemos, o quanto nos esforcemos e nos empenhemos, a ele, a este problema abismal, a este abismo sobre o qual nos lançamos ou que então ficamos a contemplar, só conseguiremos chegar a uma pequena, falsa e ardil porção de um imenso e pérfido emaranhado de camadas e depressões.”
“Matar-se, ou continuar a viver, pode-se realizar sob tantas circunstâncias, sob tantos projetos e objetivos, que talvez seja por isso a dificuldade tremenda que sentimos e vivenciamos nas situações em que nos parece que nós mesmos nos exigimos um rumo a ser apontado, um caminho a ser seguido, uma decisão a ser tomada, para se constituir na construção de uma vida ou para se consumar nas ruínas da morte.”
“Para convencer-se do suicídio, é preciso pensá-lo estando deitado, porque, quando deitados sobre nós mesmos e sobre nossas mãos, não sentimos mais o peso da existência, das pessoas, só nos sentimos a nós mesmos e nos sentimos completamente mutilados. E então poderemos olhar tudo ao redor para trazermos à tona tudo que permanece ausente, para nos encantarmos com a irrefutável beleza de todas as criaturas, tanto as da natureza como as humanas, e entendermos que elas, e nós mesmos, nunca fomos outra coisa senão isso: beleza! – uma beleza que não encerra em si mesma um significado e uma importância, por isso é que não se deve se crucificar tanto com a angustiante indecisão de se matar ou não. Além disso, viver em angustia contínua já é estar se matando. Existir nunca nos foi uma escolha. Não querer viver essa existência, sim!” 
    A maioria dos suicidas foram pessoas que acharam ter chegado ao extremo e se mataram. Sinto uma estima mórbida por elas e por seus atos derradeiros. Porém, me desanimo e novamente me desespero por não me decidir como elas. Eu costumava acreditar que somente por um impulso negativo se chegaria à conclusão de que talvez só fosse possível transformar intensamente a vida, e a si próprio, exterminando, liquidando essa existência assentada na imanência de todo uma realidade, ao mesmo tempo, exterior e objetiva e interior e subjetiva. Esses dilemas, essas dualidades me exasperam! Quero olhar pra mim mas tenho medo dos meus movimentos. Tenho medo de pensar em fazer uma coisa e quando menos esperar me deparar fazendo outra: a mão que vai sentir o peito e quando se percebe ela o apunhalou intencionalmente, rasgou suas vísceras e espalhou sangue por todo o corpo... Eu costumava acreditar que os suicidas eram pessoas que, ao sustentarem a hipótese da existência dum caos interminável e imutável, sob o qual a realidade do mundo, que é a nossa, estaria inevitavelmente atrelada, e tomados por sucessivas e violentas alucinações, psicoses, neuroses, sentimentos de angustia e desespero, eles, por um momento – o momento anterior ao da resolução final – ficavam serenos, brandos e indiferentes, pois se convenciam de que não há por quê sofrer tanto com o impasse de se morrer ou se manter vivo num mundo de seres e objetos e de muitos outros elementos carentes de sentido.
Parece que lá fora, e mesmo aqui dentro, tudo se aquietou... As mães devem dormir com seus filhos... a mulher, com seu amante... e cada um com sua dor e sua alegria... fatais... A madrugada é plena... tudo ocorre em seu misterioso ritmo costumeiro... Daqui a pouco será dia e eu, exausto, estarei dormindo o silêncio do mundo, completamente só, mais uma vez...

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