“Não
importa o quanto tentemos, o quanto nos esforcemos e nos empenhemos,
a ele, a este problema abismal, a este abismo sobre o qual nos
lançamos ou que então ficamos a contemplar, só conseguiremos
chegar a uma pequena, falsa e ardil porção de um imenso e pérfido
emaranhado de camadas e depressões.”
“Matar-se,
ou continuar a viver, pode-se realizar sob tantas circunstâncias,
sob tantos projetos e objetivos, que talvez seja por isso a
dificuldade tremenda que sentimos e vivenciamos nas situações em
que nos parece que nós mesmos nos exigimos um rumo a ser apontado,
um caminho a ser seguido, uma decisão a ser tomada, para se
constituir na construção de uma vida ou para se consumar nas ruínas
da morte.”
“Para
convencer-se do suicídio, é preciso pensá-lo estando deitado,
porque, quando deitados sobre nós mesmos e sobre nossas mãos, não
sentimos mais o peso da existência, das pessoas, só nos sentimos a
nós mesmos e nos sentimos completamente mutilados. E então
poderemos olhar tudo ao redor para trazermos à tona tudo que
permanece ausente, para nos encantarmos com a irrefutável beleza de
todas as criaturas, tanto as da natureza como as humanas, e
entendermos que elas, e nós mesmos, nunca fomos outra coisa senão
isso: beleza! – uma beleza que não encerra em si mesma um
significado e uma importância, por isso é que não se deve se
crucificar tanto com a angustiante indecisão de se matar ou não.
Além disso, viver em angustia contínua já é estar se matando.
Existir nunca nos foi uma escolha. Não querer viver essa existência,
sim!”
A
maioria dos suicidas foram
pessoas que
acharam ter chegado ao extremo e se mataram. Sinto uma estima mórbida
por elas e por seus atos derradeiros. Porém,
me desanimo e novamente me desespero por não me decidir como elas.
Eu costumava acreditar que somente por um impulso negativo se
chegaria à conclusão de que talvez só fosse possível transformar
intensamente a vida, e a si próprio, exterminando, liquidando essa
existência assentada na imanência de todo uma realidade, ao mesmo
tempo, exterior e objetiva e interior e subjetiva. Esses
dilemas, essas dualidades me exasperam!
Quero olhar pra mim mas tenho medo dos meus movimentos. Tenho medo de
pensar em fazer uma coisa e quando menos esperar me deparar fazendo
outra: a mão que vai sentir o peito e quando se percebe ela o
apunhalou intencionalmente, rasgou suas vísceras e espalhou sangue
por todo o corpo... Eu costumava acreditar que os suicidas eram
pessoas que, ao sustentarem a hipótese da existência dum caos
interminável e imutável, sob o qual a realidade do mundo, que é a
nossa, estaria inevitavelmente atrelada, e tomados por sucessivas e
violentas alucinações, psicoses, neuroses, sentimentos de angustia
e desespero, eles, por um momento – o momento anterior ao da
resolução final – ficavam serenos, brandos e indiferentes, pois
se convenciam de que não há por quê
sofrer tanto com o impasse de se morrer ou se manter vivo num mundo
de seres e objetos e de muitos outros elementos carentes de
sentido.
Parece que lá fora, e mesmo aqui
dentro, tudo se aquietou... As mães devem dormir com seus filhos...
a mulher, com seu amante... e cada um com sua dor e sua alegria...
fatais... A madrugada é plena... tudo ocorre em seu misterioso ritmo
costumeiro... Daqui a pouco será dia e eu, exausto,
estarei dormindo o silêncio do mundo, completamente
só, mais uma vez...
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