Não há tragédia maior do que terminar
um livro com a expressão de indiferença, da mesma maneira que um autor poder
ter ao compor uma obra que, no fim, não lhe desperta nada.
Se você já leu um livro de
Literatura na sua vida e, simplesmente, não sentiu nada pelo o que estava
lendo, então esquece, desista, você não é um leitor de ficção de literatura e,
provavelmente, não entenderia toda emoção e comoção envolvidas no livro A Orgia
Perpétua do escritor peruano Mario Vargas Llosa.
A obra é uma análise minuciosa e
apaixonada, em um texto envolvente, rigoroso, “fluído”; um relato, um
testemunho pessoal do autor/leitor sobre seu contato/leitura desse que é um dos
livros mais emblemáticos da literatura ocidental – Madame Bovary.
Mario Vargas Llosa dividiu o
livro, basicamente, em duas grandes partes, compostas por vários
tópicos-perguntas a respeito da gênese da obra do escritor francês.
Na primeira delas, Mario nos
conta, com um entusiasmo incontido, como se deu seu primeiro contato com a obra
de Flaubert:
“No verão de 1959, cheguei a Paris com pouco dinheiro e a promessa de
uma bolsa. Uma das primeiras coisas que fiz foi comprar, numa biblioteca do
Quartier Latin, um exemplar de Madame Bovary na edição dos Clássicos Garnier.
Comecei a ler nessa mesma tarde, num quartinho do hotel Wetter, nas imediações do
Museu de Cluny. Aí começa de fato a minha história. Desde as primeiras linhas,
o poder de persuasão do livro agiu sobre mim de maneira fulminante, como um
feitiço poderosíssimo. Fazia anos que nenhum romance vampirizava tão rapidamente
minha atenção, abolia assim o entorno físico e me submergia tão profundamente
em seu mundo. À medida que avançava a tarde, caía a noite, apontava o
alvorecer, era mais eficiente o transbordamento mágico, a substituição do mundo
real pelo fictício. Era já de manhã – Emma e León tinham acabado de se encontrar
em um palco da ópera de Rouen – quando, aturdido, deixei o livro e me dispus a
dormir...” – Orgia Perpétua, Mario Vargas Llosa, página 15, Editora Alfaguara, 2015
Na segunda parte começa um
processo de “dissecção” do romance de uma forma original, que tenta mesclar a
perícia do método acadêmico, típico em criticas e teses literárias, mas valendo-se
de uma linguagem despojada, franca, quase ficcional, no sentido de que Mario
tenta nos (re)contar uma história escrita por outro pessoa, conduzindo-nos
pelos meandros admiráveis da verve criativa e obsessiva de Flaubert, sem que,
com isso, percamos a vontade ou a curiosidade de lermos esse livro, para que
possamos também nos deixar envolver em uma intricada “orgia perpétua”, também conhecida
como Literatura, assim como Emma e seus romances, dramas e amantes.
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