A
cabeça encostada no vidro da janela do vagão do metrô. Os olhos dela estão lacrimejando.
Algumas pessoas olham para ela ou disfarçadamente ou de forma direta. Ela
mastiga algo que pode ser um chiclete borrachudo, uma bala já sem doce ou
amendoim espedaçado. As pessoas olham para ela. Ela mastiga e chora. Mas chora
sem lágrimas. É possível apenas ver seus olhos submersos em um líquido
transparente, translúcido. Ela olha para o celular, depois, para lugar nenhum.
Da janela do metrô só se vê uma sucessão veloz de escuridão entrecortada por instantâneos
de luz. Ela mexe a boca, morde os lábios. Parece estar se esforçando ao máximo
para não chorar, pelos menos, não ali, naquele espaço público, no qual, as
pessoas acham que são obrigadas a fingirem, com um cansaço desmedido,
indiferença mútua. Mas todos ao redor dela estão olhando para ela, observando,
curiosos do possível motivo do seu aparente sofrimento.
Eu a
vejo não diretamente, mas através do reflexo dela na porta do vagão. Fico
pensando, querendo saber: o que terá acontecido? só mais um dia ruim de rotina
e falta de melhores expectativas? uma palavra rude que gerou uma discórdia amorosa,
ou talvez familiar? quem sabe, talvez algo mais profundo e abstrato, uma
angústia existencial? Seus olhos apenas lacrimejam. Ela parece murmurar mas não
se ouve nada. Só nos resta imaginar, projetar, especular.
Alguns
passageiros desembarcam a cada estação. E ela permanece lá, alheia aos anúncios
de próxima parada, com a cabeça encostada na janela do vidro do metrô. Quem a
observava, antes de desembarcar, dá mais olhada como que para se certificar se
ela não se entrega de vez e chora logo, um choro dolorido, sem receios ou cerimônias.
Ela mal se mexe, impassível à curiosidade alheia.
Minha
estação já passou. Decido seguir em viagem. Vou segui-la, ver aonde ela vai.
Será que outros passageiros também estão fazendo o mesmo que eu. Muitos,
certamente, já deveriam ter desembarcado, mas, presos a essa curiosidade um
tanto invasiva, deixaram-se seguir para acompanhá-la, também.
Uma
voz anuncia que a próxima parada será a última e que todos deverão descer. Logo
após este anúncio, todos olham para ela,
que parece chorar sem lágrimas, como que esperando ansiosos por uma definição
sua, por um gesto qualquer. Ela não diz nada, não faz nada. Todos se mostram
desesperados, deslocados diante dessa situação insuportável de invasão coletiva
de privacidade. Ela continua sem se mover, sem chorar de uma vez. A cabeça
grudada no vidro. Os olhos se afogando melancolicamente. Cada um
dos expectantes invasivos tenta se distrair com alguma banalidade, como
conversar com o amigo ao lado, reclamar do atual do governo, maldizer as
mudanças climáticas repentinas da cidade, olhar o celular.
Ela
se levanta, devagar. Vai em direção à porta. Sempre a olhar para algo que
nenhum de nós parece ser capaz de captar. Alguém grita: Ei, moça, acho que isso
é seu...! Ela desembarca e segue pelas escadas rolantes sem nem olhar para
trás.
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