sexta-feira, 7 de outubro de 2016

No Metrô

A cabeça encostada no vidro da janela do vagão do metrô. Os olhos dela estão lacrimejando. Algumas pessoas olham para ela ou disfarçadamente ou de forma direta. Ela mastiga algo que pode ser um chiclete borrachudo, uma bala já sem doce ou amendoim espedaçado. As pessoas olham para ela. Ela mastiga e chora. Mas chora sem lágrimas. É possível apenas ver seus olhos submersos em um líquido transparente, translúcido. Ela olha para o celular, depois, para lugar nenhum. Da janela do metrô só se vê uma sucessão veloz de escuridão entrecortada por instantâneos de luz. Ela mexe a boca, morde os lábios. Parece estar se esforçando ao máximo para não chorar, pelos menos, não ali, naquele espaço público, no qual, as pessoas acham que são obrigadas a fingirem, com um cansaço desmedido, indiferença mútua. Mas todos ao redor dela estão olhando para ela, observando, curiosos do possível motivo do seu aparente sofrimento.

Eu a vejo não diretamente, mas através do reflexo dela na porta do vagão. Fico pensando, querendo saber: o que terá acontecido? só mais um dia ruim de rotina e falta de melhores expectativas? uma palavra rude que gerou uma discórdia amorosa, ou talvez familiar? quem sabe, talvez algo mais profundo e abstrato, uma angústia existencial? Seus olhos apenas lacrimejam. Ela parece murmurar mas não se ouve nada. Só nos resta imaginar, projetar, especular.

Alguns passageiros desembarcam a cada estação. E ela permanece lá, alheia aos anúncios de próxima parada, com a cabeça encostada na janela do vidro do metrô. Quem a observava, antes de desembarcar, dá mais olhada como que para se certificar se ela não se entrega de vez e chora logo, um choro dolorido, sem receios ou cerimônias. Ela mal se mexe, impassível à curiosidade alheia.

Minha estação já passou. Decido seguir em viagem. Vou segui-la, ver aonde ela vai. Será que outros passageiros também estão fazendo o mesmo que eu. Muitos, certamente, já deveriam ter desembarcado, mas, presos a essa curiosidade um tanto invasiva, deixaram-se seguir para acompanhá-la, também.

Uma voz anuncia que a próxima parada será a última e que todos deverão descer. Logo após  este anúncio, todos olham para ela, que parece chorar sem lágrimas, como que esperando ansiosos por uma definição sua, por um gesto qualquer. Ela não diz nada, não faz nada. Todos se mostram desesperados, deslocados diante dessa situação insuportável de invasão coletiva de privacidade. Ela continua sem se mover, sem chorar de uma vez. A cabeça grudada no vidro. Os olhos se afogando melancolicamente. Cada um dos expectantes invasivos tenta se distrair com alguma banalidade, como conversar com o amigo ao lado, reclamar do atual do governo, maldizer as mudanças climáticas repentinas da cidade, olhar o celular.

Ela se levanta, devagar. Vai em direção à porta. Sempre a olhar para algo que nenhum de nós parece ser capaz de captar. Alguém grita: Ei, moça, acho que isso é seu...! Ela desembarca e segue pelas escadas rolantes sem nem olhar para trás. 

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